SÉRGIO GODINHO · UM TEMPO QUE PASSOU [Coicidências, 1983]


(Sérgio Godinho / Chico Buarque)



Vou 
uma vez mais 
correr atrás 
de todo o meu tempo perdido 
quem sabe, está guardado 
num relógio escondido por quem 
nem avalia o tempo que tem

Ou 
alguém o achou 
examinou 
julgou um tempo sem sentido 
quem sabe, foi usado 
e está arrependido o ladrão 
que andou vivendo com seu quinhão

Ou dorme num arquivo 
um pedaço de vida 
a vida, a vida que eu não gozei 
eu não respirei 
eu não existia

Mas eu estava vivo 
vivo, vivo 
o tempo escorreu 
o tempo era meu 
e apenas queria 
haver de volta 
cada minuto que passou sem mim

Sim 
encontro enfim 
iguais a mim 
outras pessoas aturdidas 
as horas dessas vidas que estão 
talvez postas em grande leilão

São 
mais de um milhão 
uma legião 
um carrilhão de horas vivas 
quem sabe, dobram juntas 
as dores colectivas, quiçá 
no canto mais pungente que há

ou dançam numa torre 
as nossas sobrevidas 
vidas, vidas 
a se encantar 
a se combinar 
em vidas futuras

Enquanto o vinho corre, corre, corre 
morrem de rir 
mas morrem de rir 
naquelas alturas 
pois sabem que não volta jamais 
um tempo que passou




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