Hermann Hesse ⋅ Siddhartha (1922)


© Iraqi Mohammed Rachid 'Women from South Morocco'


"Refletiu profundamente, como se se deixasse mergulhar até ao fundo dessa sensação, até ao local onde repousam as causas, pois reconhecer as causas, assim lhe parecia, é realmente pensar, e somente assim as sensações se transformam em conhecimento e não se perdem, ganham vida e começam a irradiar aquilo que contêm. (...)

Olhou em redor, como se visse o mundo pela primeira vez. O mundo era belo, o mundo era colorido, o mundo era estranho e misterioso! Isto era azul, isto era amarelo, isto era verde, corria o céu e o rio, a floresta e a montanha erguiam-se, tudo belo, tudo enigmático e mágico, e no seu meio ele, Siddhartha, o Despertado, a caminho de si mesmo. (...)

O espírito e o ser não estavam algures por detrás das coisas, estavam nelas, em todas elas. (...)

(...) o sentimento do presente e da simultaneidade invadiu-o, o sentimento da eternidade. Nesse momento sentiu profundamente, mais profundamente do que nunca, a imperecibilidade de todas as vidas, a eternidade de todos os momentos. (...)

— Quando alguém procura — respondeu Siddhartha — pode acontecer que os seus olhos vejam apenas a coisas que ele procura, que não permitam que ele a encontre porque ele pensa sempre e apenas naquilo que procura, porque ele tem um objectivo, porque ele está possuído por esse objectivo. Mas encontrar significa ser livre, manter-se aberto, não ter objectivos. (...)

Por isso tudo o que existe me parece bom, a morte e a vida, o pecado e a santidade, a sensatez e a loucura, tudo é necessário dessa maneira, tudo necessita apenas do meu acordo, da minha boa vontade, da minha afectuosa compreensão; assim, tudo é bom para mim, pode apenas encorajar-me, nunca me pode prejudicar. Senti no meu corpo e na minha alma que precisava muito do pecado, precisava da luxúria, da ambição e da vaidade, precisava do desespero mais ultrajante, para aprender a não lhes comparar com qualquer outro mundo para mim desejado ou imaginado, mas sim o deixar ser como é, para amá-lo e sentir-me feliz por lhe pertencer. (...)"




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